Anavilhanas: entre águas, florestas e gente que cuida

Por Átila Ximenes | Vou Contigo

Dos destinos que compõem minha lista dos sonhos no Brasil, o Parque Nacional de Anavilhanas sempre esteve entre os cinco primeiros. Mais do que um arquipélago conservado no coração da Amazônia, ele é lar de um bicho que povoa o imaginário de qualquer brasileiro: o boto-cor-de-rosa — espécie emblemática dos rios amazônicos e símbolo da vida que pulsa nas águas do Rio Negro.

Saímos de Manaus às 6h da manhã em direção a Novo Airão, município amazonense às margens do Rio Negro. A viagem leva cerca de três horas pela AM-070, a Rodovia Manoel Urbano. Novo Airão é uma cidade pequena, mas gigante em propósito. É de lá que partem as embarcações para o Parque Nacional de Anavilhanas, uma das unidades de conservação mais extraordinárias do país, e um convite ao mergulho profundo em natureza, cultura e conservação.

Novo Airão: berço de saberes e práticas sustentáveis

Com pouco mais de 19 mil habitantes, Novo Airão é um exemplo de como o turismo pode caminhar ao lado da conservação. Mais que ponto de partida para Anavilhanas, o município abriga experiências transformadoras, como a da Fundação Almerinda Malaquias, nossa primeira parada do dia.

Fundada nos anos 1990, a ONG atua em três frentes principais: capacitação para geração de renda, educação ambiental e ecoturismo. Em seus galpões arejados de madeira e barro batido, aprendizes transformam resíduos de madeira em arte por meio da marchetaria, uma técnica milenar que combina pedaços de diferentes tipos de madeira para criar desenhos precisos em bandejas, quadros e outros objetos decorativos.

Hoje, mais de 200 jovens e adultos já passaram pelos programas da fundação, que também produz sabonetes artesanais com essências amazônicas e materiais reaproveitados. Um exemplo simples, bonito e poderoso de como a floresta pode gerar renda sem ser derrubada.

Parque Nacional de Anavilhanas

De Novo Airão, seguimos para o porto da cidade, onde embarcamos rumo ao Parque Nacional de Anavilhanas. Criado em 2008, o parque ocupa uma área de cerca de 350 mil hectares, o equivalente a mais de duas vezes o tamanho da cidade de São Paulo, e protege um dos maiores arquipélagos fluviais do planeta, com mais de 400 ilhas.

Administrado pelo ICMBio, o parque é uma Unidade de Conservação federal de proteção integral, que tem como objetivo conservar a biodiversidade da região, ao mesmo tempo em que permite atividades como pesquisa científica, visitação controlada, educação ambiental e ecoturismo.

Durante o trajeto, a paisagem é composta por igarapés, árvores de raízes submersas, rios e lagos vastos e a esperança de encontrar com animais como botos e jacarés. Aqui, a Amazônia se mostra de uma forma bruta, potente.

O encontro com os botos

Uma das experiências mais conhecidas da região acontece no interior do Parque: o encontro com o boto-cor-de-rosa. Nossa parada foi no flutuante de uma iniciativa privada que opera sob regras ambientais rígidas e horários controlados (das 9h às 12h e das 14h às 17h, de terça a domingo).

O boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis), espécie endêmica da bacia amazônica, é considerado um indicador ecológico: onde há botos, há equilíbrio. Infelizmente, também é uma espécie ameaçada, devido à poluição dos rios, perda de habitat e pesca predatória.

A interação com os animais é feita com acompanhamento de monitores locais. O ingresso custa R$ 30 por pessoa, e parte da arrecadação é usada para manutenção da plataforma, capacitação da equipe e apoio a ações de conservação.

Ver os botos nadando ao redor, emergindo como se sorrissem, foi um dos momentos mais emocionantes do nosso dia no arquipélago. Dei um baita check na lista de bichos que sonhava em ver. 

Comunidade Tiririca: turismo de base comunitária na prática

Depois da experiência com os botos, seguimos navegando até a comunidade ribeirinha de Tiririca, localizada dentro de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). As RDSs fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e foram criadas para proteger o modo de vida tradicional de populações que dependem dos recursos naturais de forma sustentável.

Em Tiririca, o turismo é comunitário, construído coletivamente por famílias locais. Nosso almoço foi no restaurante Canto do Japiim, que serve peixes frescos, mandioca, farinhas da região e sucos naturais, tudo feito com carinho, tempo e tradição.

Depois do almoço, fizemos um pequeno passeio pela comunidade. Conhecemos casas sobre palafitas, coleções de artefatos históricos e visitamos a loja coletiva de artesanato, onde peças feitas por diferentes moradores dividem o mesmo espaço.

O turismo de base comunitária, além de distribuir renda de forma justa, valoriza os saberes locais e fortalece o pertencimento territorial, um pilar essencial para conservar a Amazônia a longo prazo.

Anavilhanas na cheia: a floresta submersa

À tarde, continuamos navegando pelo arquipélago, agora por entre os igapós, florestas inundadas sazonalmente pelas águas do Rio Negro. Visitamos Anavilhanas no auge da cheia, quando o nível do rio chega a subir até 30 metros em relação à época da seca.

É difícil descrever com precisão o que se sente navegando entre as copas das árvores. A luz atravessa o dossel, refletindo na água escura como se fosse espelho. Troncos se tornam colunas, e o barco parece flutuar por um mundo encantado. 

Na cheia, a floresta muda. A fauna se adapta. Macacos e preguiças sobem ainda mais alto. Peixes invadem as árvores. É a Amazônia em sua forma mais impressionante – e silenciosa.

A biodiversidade do parque é impressionante: mais de 450 espécies de aves já foram registradas na região, além de mamíferos como ariranhas, jaguatiricas, pacas e antas. O Rio Negro também abriga dezenas de espécies de peixes, entre eles o tucunaré, o aruanã e o famoso pirarucu.

Ecoturismo como caminho para a conservação

O Parque Nacional de Anavilhanas é uma escola viva de ecologia, cultura e respeito. Cada visita precisa ser feita com cuidado, informação e responsabilidade.

Por isso, é fundamental contratar operadoras locais credenciadas, seguir as orientações dos guias, respeitar os horários de visitação e compreender que, na Amazônia, quem nos guia é o tempo da floresta, não o relógio.

Novo Airão mostra, com seus exemplos práticos, que é possível criar um modelo de turismo que gera renda, fortalece comunidades e ainda contribui com a conservação. A Fundação Almerinda Malaquias, o flutuante dos botos e a comunidade de Tiririca são partes de uma mesma rede: a da Amazônia viva, protegida e habitada por quem a conhece de verdade.

Como visitar Anavilhanas de forma responsável

Acesso: Novo Airão está a 190 km de Manaus, com acesso pela rodovia AM-070. O trajeto dura cerca de 2h30 – 3h.

Melhor época: A cheia vai de abril a julho e permite navegação pelos igapós. A seca, entre setembro e janeiro, revela praias fluviais e trilhas. Ambas têm seus encantos.

Duração ideal da viagem: Pelo menos 2 dias para conhecer o parque e as comunidades.

Autorização e operadoras: Procure operadoras locais credenciadas pelo ICMBio e sempre se informe sobre as regras de visitação.

Onde saber mais: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/unidade-de-conservacao/unidades-de-biomas/amazonia/lista-de-ucs/parna-de-anavilhanas 

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